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Acima: Ilustração do cérebro para o livro |
![]() Sistema nervoso isolado do corpo, por Andreas Vesalius |
Assim, desde as primeiras dissecções do sistema nervoso, ainda na época dos filósofos naturalistas gregos, tivemos o primeiro grande passo dentre os que marcaram, até os tempos recentes, a chamada "revolução das imagens" na medicina em geral, e na neurociência em particular:
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![]() A esquerda: desenho das células de Purkinje, Acima: Fotografia de um nenrônio corado com |
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A cinematografia, especialmente, por analizar imagens em movimento, revelou-se extremamente útil no estudo de alguns aspectos funcionais, como o comportamento e a motricidade, como demonstraram as aplicações pioneiras de Edward Muybridge, na Inglaterra, e por Jules-Etiénne Marey, na França.
![]() Acima: Filme obtido a partir |
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Os métodos gráficos de registro da atividade elétrica do sistema nervoso, por sua vez, foram as primeiras tentativas de se obter imagens funcionais do sistema nervoso em ação (o terceiro passo). Embora elas não fossem neuroimagens, no sentido mais estrito do termo, tornarem-se poderosas tecnologias pictóricas na neurociência, a partir do momento em que as variações bioelétricas puderam ser amplificadas e registradas em função do tempo, em telas fosforecentes, filme fotográficos ou papel, como no caso do galvanômetro de corda (inventado por Willem Einthoven em 1902, e usado por Hans Berger em 1924, para a descoberta do eletroencefalograma), e do osciloscópio (introduzido na neurociência por Herbert Gasser em 1922).
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William Konrad Röntgen |
Reconstrução do laboratório de Röngten, com o |
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A descoberta dos raios X logo se espalhou pelo mundo com impressionante velocidade, atiçando a imaginação da imprensa, de leigos, cientistas e médicos. Basta dizer que apenas em 1896 foram escritos mais de 50 livros e alguns milhares de artigos sobre o fenômeno. Já em fevereiro de 1896, apenas três meses depois da descoberta de Röntgen, foram realizadas, nos EUA, as primeiras aplicações clínicas práticas da radiologia, ao ser usada para identificar fraturas ósseas, no serviço do Dr. Xxx. Podemos dizer que nunca houve, na história da ciência, um período tão curto transcorrido entre uma descoberta fundamental e sua primeira aplicação, particularmente na ciência médica. Isso é particularmente extraordinário por ter ocorrido em uma época em que as dificuldades e lentidão da comunicação científica eram imensamente maiores do que as atuais! Wilhelm Röntgen ganhou o prëmio Nobel de 1905 por sua revolucionária contribuição à ciência, que não se limitou à Medicina, mas que foi a maior beneficiária dos raios X.
![]() Primeiras aplicações clínicas da radiografia nos EUA (fratura do antebraço) na clínica do Dr. Robert Crowe |
![]() Uso do fluoroscópio para diagnóstico na clínica Wagner |
Na neurociência, entretanto, os raios X não foram um sucesso total, por vários motivos. O tecido nervoso é muito pouco radio-opaco, e está encerrado em uma caixa óssea externa espessa, que funciona como forte barreira. Além disso, ao contrário de outros órgãos, como o coração, o pulmão e os intestinos (que foram os mais radiografados desde o início, principalmente depois da descoberta dos contrastes rádio-opacos de bário, pelo fisiologista americano Walter Cannon), a típica projeção planar dos raios X sobre o filme fotográfico dificulta a localização tridimensional tão característica do cérebro. Os neurologistas logo descobriram que as radiografias do crânio mostravam muito pouco da estrutura interna cerebral. Podia se visualizar debilmente os ventrículos cerebrais e um pouco do parênquima, mas as aplicações iniciais foram no diagnóstico de patologias relativamente grosseiras, como hemorragias subdurais, nódulos calcificados, grandes traumas e alguns tumores.
Radiografia típica do crânio
O grande neurocirurgião americano Harvey Cushing
foi o primeiro a utilizar sistematicamente o raios X como auxílio
às cirurgias do sistema nervoso, como na localização
mais exata de tumores.
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Foram necessários, portanto, alguns desenvolvimentos técnicos
adicionais para que os raios X se tornassem mais úteis à neurociência
básica e clínica. Destes, destacaram-se quatro grupos de técnicas:
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A ventriculografia. O cirurgião americano Walter Dandy, em 1918, descobriu que, ao injetar ar por meio de uma agulha, diretamente nos ventrículos cerebrais, eles se destacavam na radiografia, permitindo assim um grau adicional de referência espacial, além dos acidentes ósseos. Essa técnica, denominada de pneumoencefalografia, foi usada por muitas décadas, até se descobrir que meios iodados injetados nos ventrículos forneciam um contraste melhor. |
A fluoroscopia: O grande inventor e cientista americano Thomas Alva Edison interessou-se pelos raios X logo após a sua descoberta, e aplicou seu extraordinário gênio inventivo ao seu aperfeiçoamento e popularização. Entre outras coisas, ele desenvolveu um fluoroscópio portátil em 18xx, que consistia de uma tela fluorescente sensível aos raios X, que podia mostrar a imagem sem necessidade de radiografar fotograficamente. O fluoroscópio logo mostrou sua utilidade na medicina, ao permitir a observação de imagens internas do corpo em movimento, como o coração, o aparelho fonador, etc. | |
A arteriografia. O neurologista português Egas Moniz descreveu em 1927 como as artérias apareciam com grande detalhe contra o fundo de um parênquima cerebral mais tênue, ao injetar uma solução de iodeto de sódio nas artérias carótidas. O método (posteriormente batizado também de angiografia cerebral), revelou-se muito útil para o diagnóstico e localização de aneurismas, malformações vasculares, derrames hemorrágicos, etc/, além de proporcionar novas referências espaciais para a localização tridimensional mais efetiva de alterações intracerebrais. Moniz inventou um equipamento que tirava rapidamente várias radiografias à medida em que o contraste intra-arterial progredia dentro do cérebro, e um outro, para mostrar rapidamente em seqüência as radiografias tiradas, como em um filme ou em um desenho animado. Nascia, assim, um método indireto de estudar função através de um método eminentemente estrutural, como os raios X. | |
A planigrafia. Os radiologistas logo descobriram que se tirassem várias radiografias em diferentes incidências e planos, podiam combinar essas imagens para obter uma localização espacial mais específica dentro do cérebro. Foi criada, então uma tecnologia específica, denominada de planigrafia linear, desenvolvida primeiramente em 1931 pelo holandês Ziedses des Plantes (1902-1993). Ela se baseia no movimento linear simultâneo do filme e da fonte de raios X, em direções opostas. Isso mantém o foco sobre a estrutura que se quer obter a imagem, no interior do corpo, que aparece mais nítida, em contraste com as estruturas distantes desta, que aparecem desfocadas. Posteriormente, a planigrafia recebeu o nome mais apropriado de tomografia linear (do grego "tomos", que significa "corte"), e que foi a antecessora da tomografia computadorizada. O italiano Alessandro Vallebona (1899-1987) em 1930 desenvolveu também uma técnica semelhante, mais sofisticada, que fazia o equipamento girar em torno de um eixo onde estava localizado o paciente, a qual chamou de estratigrafia. Posteriormente, esta técnica foi rebatizada com o nome de tomografia axial. |
Equipamento francês de tomografia axial de 1947
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![]() Principio da planigrafia linear de Des Plantes (1931). A estrutura a ser imageada fica na altura do fulcro (ponto constante) |
![]() Ziedes de Plantes, inventor da |
No entanto, apesar de todas essas inovações, a neurociência teve que esperar mais de 70 anos, até que aparecesse um método de imagens por raios X que realmente fosse capaz de preencher os requisitos mínimos para o estudo estrutural do sistema nervoso. Esse desenvolvimento técnico, uma das mais importantes revoluções metodológicas na história da medicina, foi denominada de tomografia axial computadorizada.
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Um radiologista americano, William H. Oldendorf, desenvolveu as primeiras aplicações de reconstrução médica em 1961, a partir de experimentos com um protótipo rudimentar. O inventor do primeiro aparelho prático de tomografia axial computadorizada, no entanto, fou um engenheiro escocês, Godfrey Hounsfield, que em 1967 conseguiu adquirir imagens radiográficas digitais em tempo real, ao redor de um eixo, e que processadas por meio do algoritmo de integração de linha, foram capazes de render as primeiras imagens tomográficas axiais computadorizadas. Os primeiros tomógrafos eram extremamente lentos e imprecisos, e não podiam ser usados em aplicações clínicas, pois demorava 9 horas para obter uma seção, e cerca de 9 dias de tempo de computação para a sua reconstrução com apenas 4% de acurácia!
O progresso técnico foi rápido, entrementes. Por volta de 1970, A empresa
escocesa onde trabalhava Hounsfield, a XXX, foi a primeira a lançar, em
1970, os primeiros modelos comerciais que se espalharam rapidamente, pelo mundo,
apesar do altíssimo preço (os primeiros CAT scanners, como
foram alcunhados, de sua sigla em inglês, Computed Axial Tomography,
custavam alguns milhões de dólares). Nos EUA, o especialista
em computação médica Robert S. Ledley, patenteou
em 1974 um modelo de
tomógrafo (ACTA: Automatic Computerized Transverse Axial Scanner) que foi logo aproveitado para venda por empresas como a
General Electric, fazendo com que o setor econômico de imagens médicas
computadorizadas crescesse enormemente nas décadas seguintes. Cormack
e Hounsfield
receberam o prêmio Nobel de 1979 por suas descobertas.
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As primeiras imagens obtidas do cérebro eram bastante grosseiras, mas mostravam o caminho tecnológico que foi seguido inexoravelmente nos anos seguintes, de desenvolvimento de uma formidável ferramenta de visualização do interior do corpo. O cérebro era o órgão ideal para a CAT, pelas razões que expusemos acima, assim, não é de se surpreender que os primeiros equipamentos tinham espaço apenas para a cabeça, e foram usados exclusivamente em neurologia.
FIGURA [ Tomografia x seção | Tomógrafo Siretom
da Siemens ]
Com a tomografia axial computadorizada, pela primeira vez os neurocientistas
e médicos podiam ver com grande detalhe e obter a localização
precisa de tumores, de estruturas cerebrais demarcadas, como feixes de fibras,
nervos, substância cinzenta, etc. A neuroimagem passou a ter
um extraordinário desenvolvimento.
No entanto, a tomografia ainda tinha deficiências importantes
com relação ao ideal em termos de imagem do sistema nervoso.
Apesar das imagens obtidas do tecido nervoso serem muito mais nítidas
e detalhadas do que as de radiografias planares comuns, a questão
da sua grande transparência aos raios X não permitia chegar
à uma identificação mais detalhada das estruturas neurais,
como desejavam os neurocientistas e neurologistas. Outra deficiência
é que as imagens de raios X são puramente estruturais, e havia
a necessidade cada vez maior de se obter também mapeamentos funcionais
não-invasivos do sistema nervoso.
Felizmente, mais ou menos na mesma década em que surgiu
a tomografia axial computadorizada, outros cientistas e inventores, aproveitando
o princípio da reconstrução computadorizada axial, descobriram
novas formas de se obter imagens estruturais e funcionais que excediam em
muito a capacidade da tomografia dos raios-x. Esses inventos, cruciais para
o desenvolvimento da neuroimagem nas décadas seguintes, foram a tomografia
de ressonância nuclear magnética (NMR) e as tomografias de emissão
de fótons (SPECT) e de pósitrons (PET).
Isidor Rabi |
Raymond Damadian |
Paul Lauterbur |
Outro físico americano, Paul Lauterbur, na década
dos 60s, chegou à conclusão que se fosse possível recolher
esta radiação eletromagnética a partir de vários
pontos ao redor do mesmo plano de uma amostra estimulada magneticamente,
poderia se obter uma imagem dos átomos da mesma. Após vários
experimentos com um protótipo, ele demonstrou que isso realmente era
possível.
Na mesma época. um médico de origem armênia,
Raymond Damadian, estava experimentando com a espectroscopia de NRM para
tentar diferenciar as características paramagnéticas de tumores,
em uma faixa do espectro chamado T1. Ele tinha conseguido demonstrar que
neoplasias tinham respostas de NMR diferentes de tecido normal, e isso tinham
uma enorme importância como método diagnóstico. Ao conhecer
o trabalho de Lauterbur e Hounsfield, Damadian fez a junção
entre as tecnologias de imageamento por NMR e de tomografia axial, e construiu
em 1975 o primeiro tomógrafo de NRM para aplicações
clínicas (inicialmente também apenas para a cabeça).
O primeiro protótipo que ele e sua equipe construíram, batizado
de “The Indomitable”, mostrou que essa técnica era ideal para imagear
tecidos moles, portanto, o cérebro. Damadian fundou uma empresa, a
Fonar, que rapidamente lançou a primeira máquina comercial,
ainda mais cara do que os tomógrafos de raios X, e que foi líder
do mercado por muitos anos. O protótipo foi parar no Museu de História
Americana da Smithsonian Institution, em Washington, nos EUA.
![]() The Indomitable, o primeiro tomógrafo |
![]() Imagem sagital do cérebro obtida por MRI |
In Search for the Third Dimension: From Radiostereoscopy to Three-Dimensional Imaging. R. Van Tiggelen.