Curso
Capacitação Docente em Educação a Distância em Saúde

Ensino em Saúde e Tecnologia
Por: Eduardo C. Tavares

Há muito tempo as escolas de engenharia resolveram se dividir em áreas (elétrica, mecânica, química, etc.). Não existe mais um escola que integre todas as engenharias. Porque isso não acontece com a medicina? Seria desejável? Imaginem o conhecimento e a prática médica daqui a 50 anos! Como será, na sua opinião, a educação médica na metade do terceiro milênio? 
De modo algum posso concordar com a divisão do ensino médico em escolas especializadas. A ciência e a arte da medicina tem como objetivo principal o bem estar do ser humano. A própria definição de saúde adotada pela OMS declara que esta é um somatório do bem estar físico, psíquico e social. Melhor que simplesmente somatório eu diria uma interação holística equilibrada e articulada entre indivíduo e o meio que o cerca. Portanto a medicina não deve e não pode se distanciar desta visão do todo. Isto não quer dizer que não deva haver médicos especialistas. Com a avalanche crescente de informações já é e será cada vez mais difícil, em futuro próximo, conseguir se manter atualizado de forma constante e generalizada. No entanto, devemos ter sempre em mente a fala de Brecht que é mais ou menos assim: “O especialista é aquele que sabe cada vez mais de cada vez menos, até chegar a saber tudo de nada.”   Por outro lado alguém que não sei quem completou assim: “ e o generalista é aquele que sabe cada vez menos de cada vez mais até chegar a saber nada de tudo. Nosso objetivo é encontrar o meio termo deste dilema. Saber sobre muitas coisas, e aqui não só da ciência médica, mas da cultura geral, e nos aprofundarmos mais naquela área que mais nos cativa.

Segundo Cláudio de Moura Castro : 
“A lição é muito clara: o profissional de primeira linha pode ou não ser um especialista, dependendo da área. Pode ou não ter a necessidade de conhecer as últimas teorias da moda. Mas não pode prescindir dessa "profissionalização genérica", sem a qual será um idiota, cuspindo regras, princípios e números que não refletem um julgamento maduro do problema. Portanto, lembremo-nos: especialista não é quem sabe só de um assunto, e ser profissional não é apenas conhecer técnicas específicas. O profissionalismo mais universal é saber pensar, interpretar a regra e conviver com a exceção”.

No meu sonho a prática médica daqui a 50 anos terá como base não o pensamento cartesiano, e sim o pensamento sistêmico. Mas o que é pensamento sistêmico?

Com a palavra a psicóloga Maria José Esteves Vasconcellos e o físico Fritjoff Capra:
 “Pensar sistemicamente é ver e pensar a complexidade do mundo. É ver as relações existentes em todos os níveis da natureza e buscar sempre a compreensão dos acontecimentos - sejam físicos, biológicos ou sociais - em relação aos contextos em que ocorrem. É reconhecer a complexidade organizada do Universo”.

 É também ver sempre o dinamismo das situações, reconhecendo que o mundo está em 'processo de tornar-se', e que isso nos leva a conviver com situações que não podemos prever e com os acontecimentos cuja ocorrência não podemos controlar. Mas também é acreditar nos recursos de auto-organização dos sistemas e nas possibilidades de mudança e evolução.
É ainda reconhecer que não existem realidades objetivas, que vamos construindo as realidades à medida que interagimos com o mundo, com as pessoas. Que na medida em que vamos definindo situações como desejáveis e pessoas como deficientes etc., essas realidades vão sendo construídas, vão se instalando. E, ao mesmo tempo em que se instalam, vão agindo também, recursivamente, sobre nossas interações com essas situações ou com essas pessoas.” 

“ ...De acordo com a visão sistêmica, as propriedades essenciais de um organismo, ou sistemas vivos, são propriedades do todo, que nenhuma parte possui. Elas surgem das interações e das relações entre as partes. Essas propriedades são destruídas quando o sistema é dissecado, física ou teoricamente, em elementos isolados. Embora possamos discernir partes individuais em qualquer sistema, essas partes não são isoladas, e a natureza do todo é sempre diferente da mera soma de suas partes.
...  O grande impacto que adveio com a ciência do século XX foi a percepção de que os sistemas não podem ser entendidos pela análise. As propriedades das partes não são propriedades intrínsecas, mas só podem ser entendidas dentro do contexto do todo mais amplo. Desse modo, a relação entre as partes e o todo foi revertida. Na abordagem sistêmica, as propriedades das partes podem ser entendidas apenas a partir da organização do todo. Em conseqüência disso, o pensamento sistêmico concentra-se não em blocos de construção básicos, mas em princípios de organização básicos. O pensamento sistêmico é "contextual" o que é o oposto do pensamento analítico. A análise significa isolar alguma coisa a fim de entendê-la; o pensamento sistêmico significa colocá-la no contexto de um todo mais amplo."  (grifos meus).

Quanto à educação medica, anseio por uma nova forma de ensino e aprendizado, ou melhor dizendo, aprendizagem (processo do aprender). A idéia de aprendizagem como algo passivo e linear, onde o professor, proprietário do saber, transmite aquelas informações que ele acha que são as mais importantes, para um aluno que fica completamente dependente das convicções do professor, seria substituída pelas idéias sistêmicas da circularidade das relações, da interdependência pessoal e da definição do objeto de estudo em um contexto da realidade do aluno e não o conteúdo previamente definido e isolado da realidade global do problema. Neste contexto a educação a distância e, principalmente, o trânsito das informações via rede terão um lugar privilegiado.

Para finalizar cito dois aspectos que me pareceram importantes: A necessidade da Universidade compartilhar suas atividades com a sociedade, que tem tudo a ver com o princípio sistêmico da co-construção da realidade e a preocupação com a titulação formal, que de alguma forma tem a ver com o poder hierárquico. Par não entedia-los ainda mais, estendendo-me nesta resenha, permita-me apenas sugerir a leitura das fábulas "Tropeções da Inteligência"; "Sobre o Saber e o Prazer"; "Pinóquio"; "Os hábitos alimentares da ciência" e "Os Urubus e Sabiás"; formas bem humoradas escolhidas por Rubem Alves para tecer algumas críticas à ciência clássica e, principalmente, aos nossos sistemas de ensino. 

Após tantas críticas uma pergunta se torna inevitável: O que fazer com os conhecimentos adquiridos da ciência tradicional? Mais uma vez recorro à fala da psicóloga Maria José Esteves para responder a esta pergunta:

"Pensar sistemicamente é sim ultrapassar nossa forma de pensar tradicional, que nos veio através dos séculos e que fomos condicionados a considerar como a correta e verdadeira. Mas precisamos nos lembrar de que aqui ultrapassar não significa renegar. Ao ultrapassar também resgatamos os conhecimentos, os recursos, as técnicas desenvolvidas pela ciência tradicional. Porém, agora, esses conhecimentos resgatados já não são os mesmos, uma vez que nós também já não somos mais os mesmos e temos um olhar novo sobre eles. Temos uma nova visão de mundo que nos permite não mais pensar de forma disjuntiva (em termos de ou uma coisa ou outra), mas pensar e atuar no mundo de uma forma integradora (em termos de e uma forma e outra). 

Um abraço a todos.
Eduardo Tavares



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